quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

O Verão, o museu e o rock - por Mário Chagas

Apaixonada pela profissão que eu escolhi e por tudo que ela envolve, Mário Chagas nesse texto conseguiu me emocionar e descrever tudo que sinto em relação a esse lindo universo museal.


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O VERÃO, O MUSEU E O ROCK



Eu verei. Tu verás. Ele verá. Nós veremos. Vós vereis. Eles Verão. Um decreto do Planalto não desritmiza o tempo. "O tempo não pára", canta o poeta-cigarra-cazuza arrebentando pelas costas em estranha metamorfose. "O tempo não pára", pelo menos para aqueles que no tempo estão mergulhados. O tempo não se congela como imagem de TV. O tempo não se congela como um plano de verão.

Houve um tempo em que os museus, dormindo em relicário, sonhavam com peças raras, belas e preciosas. Houve um tempo em que os museus dormindo, assim sonhavam em plena noite de verão, mas "o tempo não pára" - insiste o roqueiro. Houve um tempo em que os museus sonhavam em congelar o tempo, cristalizar o passado nas paredes, nas estantes, nas vitrines-cristaleiras, nos painéis e nos tablados, nos arquivos e gavetas, mas "o sonho acabou" - diria o poeta Lennon. É hora de um outro sonhar, pois o tempo (como o sonho) não pára, renasce (como a fénix) do detrito federal.

Não posso jurar de pés juntos que todos os museus acordaram: é fato que muitos continuam dormindo em berço esplêndido, perpetuando e consagrando a ideologia de dominação: mas é fato também que existem aqueles que se encontram no estágio intermediário entre o sono e o despertar, e outros ainda que estão vigilantes, em processo de constante transformação, atentos para as mudanças políticas, sociais, culturais e económicas. "O tempo não pára". Engana-se quem pensar que os museus não estão em trânsito, como a própria sociedade brasileira.

Usando de "outras palavras" (para lembrar Caetano) pode-se mesmo afirmar que no trânsito museológico existem os museus congelados (ou frios), existem os museus mais ou menos (mornos) e existem os museus aquecidos (ou quentes). Os congelados são aqueles de frieza cadavérica, que sonham com o tempo perdido, esquecem o tempo presente e cultuam objetos mortos. Os aquecidos são aqueles que pulsam com emoção, que estão atentos para a vida e sabem que "o tempo não pára". Dos mornos ou mais ou menos não é preciso falar.

O que mais aterroriza nesse Plano Verão é a perspectiva de bloqueio dos avanços museológicos, realizados à custa de duras penas, e o consequente retrocesso dos museus aquecidos e mornos à categoria de museus congelados (cadavéricos). Fatalmente, é isso que vai acontecer com uma grande quantidade de instituições museológicas do Recife, de Salvador, do Rio de Janeiro, de São Paulo, de Ouro Preto, de Belo Horizonte, de Belém, de Manaus e de diversas outras cidades do Brasil, caso haja persistência do Plano Verão em cortar (aleatoriamente ou melhor através de um critério perdido no tempo) os recursos humanos e financeiros de instituições que, comprovadamente, têm sido responsáveis pela preservação e dinamização de fragmentos significativos da memória nacional.

O museu por definição é uma instituição que preserva, conserva, adquire, pesquisa e dinamiza os testemunhos materiais da cultura e da natureza. Esta definição revela uma contradição entre a conservação passiva e a dinamização (ou uso cultural) dos testemunhos musealizados. Tentar impedir a ação do tempo sobre esses testemunhos é tão doentio quanto tentar apagar a memória das coisas. "O tempo não pára". A memória se renova no tempo e no espaço.

É sabido, mas não é demais repetir, que um país não se desenvolve sem memória. A memória é apanágio dos vivos (incluindo os vivos-mortos, e excluindo os mortos-vivos). A memória não é tempo congelado, guardado na cristaleira com a chave trancada por dentro. A memória se projeta no tempo tríbio, de que fala o velho Freyre de Apipucos. A memória se renova no choque com o dia-a-dia. Destruí-la é desaprender a falar, desaprender a ver, ouvir e andar.

O museu do nosso tempo (aquecido) preserva pedaços/representações dessa memória-viva nova.

"O tempo não pára". É sobre esse museu (aquecido) que, de certo, fala o poeta-roqueiro ao cantar: "Eu vejo o futuro repetir o passado/Eu vejo um museu de grandes novidades/O tempo não pára". Um museu rico de contradições. Um museu que preserva o passado, e no entanto está repleto de grandes novidades. Um museu que abre espaço para a inocência e para a ciência. Um museu que preserva, porque crê no agora, no eterno presente e sabe que a amnésia é uma grande maldição.

Ouso supor que o "museu de grandes novidades", cantado por Cazuza, é o "museu dos sonhos", do Carlos Drummond, é o "museu de tudo" do João Cabral, é o museu resposta ao poema "museu" de Cecília Meireles é o "museu-praça" humorizado pelo Millôr Fernandes. Um museu onde a vida lateja no ritmo do tempo e da poesia. "O tempo não pára".

Assim como, segundo Heráclito, ninguém entra num mesmo rio mais que uma vez, posto que o rio está sempre a fluir, assim também no museu (aquecido) de grandes novidades ninguém se defronta com o mesmo objeto museal mais que uma vez, posto que o "visto" e o "vedor" estão em constante devir.

"O tempo não pára", e é bom que não pare. Ruim é querer cristalizar o passado, de maneira necrófila. Ruim é obstaculizar o avanço da museologia brasileira e indicar como caminho o retrocesso ao museu tipo congelado, e a consequente perda da memória resgatada.

A ameaça de retrocesso e perda na área museológica é um grande pesadelo nestas noites de verão. Como "o tempo não pára", é possível trabalhar para que os museus acordem todos e se libertem desse pesadelo. É possível torcer para que as águas de março venham fechando e lavando o verão e trazendo promessas de vida para os nossos corações. "Eu vejo um museu de grandes novidades/O tempo não pára".


O VERÃO, O MUSEU E O ROCK

Mário de Souza Chagas

Cadernos de Sociomuseologia Nº2- ULHT, Lisboa,1994

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Manchas roxas.

Acredito que tudo na vida causa alguma dor, deixa alguma marca. Pode ser aquela topada na quina da mesa ou uma decepção amorosa: no inicio é aquele ponto que doí insuportavelmente por dentro, com um dia fica roxo e todos começam a reparar, mas aos poucos vai sumindo, quando olhamos está imperceptível.
E me pergunto porque as pessoas sofrem tanto então? Elas sofrem pois infelizmente tudo tem memória. Manchas roxas somem, mas todas as vezes que vemos a mesa de centro da sala de sua vó na qual topamos quando tínhamos sete anos de idade nós nos lembraremos que tal mesa um dia nos causou uma dor insuportável, mas o que temos que lembrar é que essa dor passou e que a mesa continua ali e você foi embora.
Sofrimento não nos leva a nada, encarar a vida sim.
Nos últimos meses me decepcionei horrores com pessoas que nunca tirarei de minha vida. Chorei noites, me sentia péssima em não poder fazer nada; sofrimento alheio. Passou, por mais que seja assombrada por um espectro de algo que não pude evitar. Mas o que seria de mim se tivesse parado de passar o cicatrizante no rombo que fizeram em mim e ficasse sofrendo? Nada seria.
Eu não posso evitar lembranças ruins, não posso evitar medos. Eu tenho que vive-los.
Eu não posso evitar que a pessoa que você quer que ligue não me ligue pois está perdido no mundo e nem lembra da sua existência, muito menos posso evitar que ela vá pro mundo. Mas eu posso não ficar procurando motivos pra tudo que construí acabe.
É preciso viver.
Vejo as pessoas que se prendem a esparadrapos para que todos reparem nas suas feridas. Eu deixo as minhas abertas, pois dizem as avós que elas precisam respirar para sarar e pra mim quem respira quer vida. Eu dou vida aos meus sofrimentos para que eles possam viver e sumir.

Tô com uma mancha roxa de uma topada no joelho, me pergunte se um dia ela doeu?
Sofrimento já não me atinge. A vida sim, essa me pega de jeito.